Não me esqueço dos
mendigos que vinham às portas pedir alguma coisa para comer.
E nós
quando tínhamos, dávamos.
Quando não tinhamos, que era a maior parte
das vezes, a minha mãe mandava-me ir dar o perdão de Deus, que era
assim:
- Nosso Senhor o remedeie!
E lá ia o pobre do mendigo com
a mesma fome, bater a outra porta...
Lembra-me que havia um que trazia
uma guitarra, e para agradecer a esmola tocava ou rezava e perguntava
assim:
- Quer que toque ou quer que reze?...
Sabiam que nesse tempo
as pessoas andavam descalças?
Mas numa certa altura o governo proibiu
essa prática, assim como a mendicidade, e curiosamente legalizou a prostituição.
E as pessoas quando se deslocavam aos sítios onde sabiam que havia
fiscalização, levavam o calçado numa bolsa ou às costas e só se
calçavam ao chegarem a esses sítios, com receio de serem autuadas,
porque a coima era de vinte e cinco tostões,
(2 escudos e 50 centavos).
Naquele tempo dava para comprar
um cento de sardinha e ainda um pão de 2ª.
Saibam também os mais
novos, que nós naquele tempo não tinhamos locais de diversão.
A
não ser o nosso Clube, que de vez em quando fazia um baile, fora disto
havia sempre alguém que organizava um baile de rua, que era o Salgado
de Aljouriça com a sua concertina em cima dum carro de bois, onde as
raparigas, ainda dançavam descalças.
Os cafés só existiam nas cidades. Havia a taberna do ti Joaquim Martins que vendia uns copos de vinho,
umas cachaças, ponche, aniz e pirolitos. Havia também as adegas
dos nossos pais, quem as tinha, onde a rapaziada nova ora numa ou noutra,
se juntava para beber uns copos e até fazíamos uns pesticos, para
fazer apatite à pinga.
Mas o mais sacrificado, era o Celso na adega
do avô, ti Manuel Besugo. O padeiro, António Baltazar, que fazia
a distribuição de pão no lugar da Pena e trazia do talho do Lavado,
um quilo de fêveras, que depois de guisadas, com umas batatas cozidas
com pele, nos sabia às "mil maravilhas", pois nas nossas
casas, a carne era rara.
Foi assim que passamos a nossa juventude, isto
acontecia só aos sábados á noite e domingos. Os que tinham namoradas
iam ter com elas, mas só aos domingos e quartas feiras à noite. E
era o autorizado pelos pais!
Mas era assim que nós dávamos valor às coisas que saíam da rotina, que habitualmente era a broa, a sardinha e as batatas, (que eram produto do "troco"que já salientei noutros escritos deste blog).
Mas era assim que nós dávamos valor às coisas que saíam da rotina, que habitualmente era a broa, a sardinha e as batatas, (que eram produto do "troco"que já salientei noutros escritos deste blog).
Radios, havia nos anos
quarenta, aqui na terra dois ou três, onde por favor, íamos ouvir algumas
transmissões, como a do dia 13 de maio, as celebrações da aparição
de Nª Senhora na Cova de Iria, Fátima.
Por volta de 1950, o nosso
clube, eu digo nosso porque todos os habitantes, salvo raras excepções,
eram sócios a partir dos 16 anos sócios.
E era lá que íamos ouvir música e
as transmissões de alguns eventos desportivos, tais como a volta a
Portugal em bicicleta e o campeonato do mundo de hóquei em patins, do
qual fomos campeões vários anos.
Éramos bons a patinar e ainda hoje
somos, mas a patinar para traz!...
Naquele tempo, como
não tínhamos água da torneira, as mulheres iam lavar a roupa ao "rio",.
O
rio era onde?
Ou era à Ribeira dos Moinhos onde há um curso de água
que vai desaguar no rio mondego, e que fazia funcionar os moinhos de
farinha que existiam, e que deram o nome ao lugar. Ou era á Ponte
da Lapa, ou à Ponte do Gorgo Encheiro, cursos de água que vão desaguar
ao mar.
Uma vez localizados os locais onde iam as mulheres doutro tempo
lavar a sua roupinha, especialmente a roupa da cama, que era lavada de
tempos a tempos,.
Na maior parte das casas, era tirada de manhã da
cama e voltada a meter à noite, porque não havia outra.
Então as
mulheres organizavam-se aos ranchos e faziam uma espécie de romaria.
Levantavam-se cedo, aparelhavam a burra, que era o meio de transporte,
carregavam-na depois de terem cozido umas batatas com bacalhau
e cebola, bem regadas com o nosso azeite, que é de boa qualidade. Como não havia arcas térmicas, embrulhavam a panela em pardo para
manter a temperatura e não comerem as batatas frias ao meio dia!..
Por agora vou-me ficar
por aqui.
No próximo texto irei relatar o tempo após a aparição da
televisão em Portugal.