terça-feira, 11 de dezembro de 2012

O Emigrante

O EMIGRANTE DOS ANOS 60, DO SÉCULO PASSADO 
E O EMIGRANTE PRESENTE.
AS DIFERENÇAS


O emigrante português, dos anos 60, era conhecido pela mala de cartão e pelo garrafão de 5 litros. Quando nos encontrávamos no comboio, ou em qualquer parte dos países de destino, não precisávamos perguntar de que nacionalidade era, o garrafão era o seu bilhete de identidade, mas isto não o desprestigiava. O emigrante português era conhecido e aceite como honesto e trabalhador.
Os emigrantes daquele tempo sofreram todas as adversidades para poderem emigrar, pois o regime daquele tempo não lhes dava a liberdade de sair do país, vivíamos em clausura, (Salazar dizia; “orgulhosamente sós”) e pobres como “Jó”, digo eu. A maior parte deles sujeitaram-se a fugirem como ladrões, entregues a pessoas que não conheciam e a entregar-lhe quantias exorbitantes para os passarem para o “lado de lá”, (Espanha e França) quantias essas emprestadas pelas pessoas abastadas do sítio onde moravam e que no trabalho os exploravam quanto podiam. 
E lá foram eles sujeito a tudo, passaram fome, dormiram em palheiros, muitas vezes fechados em cortelhas de animais, sem conhecerem o “passador” que os trouxe até ali, nem “o” que os ia conduzir dali para a frente, sofrendo com o calor que os sufocava, se era de verão, ou lhes gelava os ossos se era de inverno, carregando o pesadelo de não saberem o que lhes ia acontecer no dia seguinte, porque estas viagens duravam vários dias. Atravessaram montanhas, rios e riachos, especialmente nos Pirineus, quase sempre a pé, ou dentro de camionetas de transporte de gado. 
Enfim, os que conseguiram passar, porque houve muitos que tiveram que voltar para traz, pois quando as autoridades portuguesas e espanholas, os encontravam no trajecto, tratavam-nos como animais e os obrigavam a regressar a casa mais pobres do que saíram. Felizmente isto não aconteceu a todos e os que conseguiram “passar” lá estava França a recebê-los. 
Quero aqui afirmar com conhecimento de causa, que foi a França o único país que nos aceitou sem contracto, dando-nos trabalho e que financeiramente nos tirou da miséria onde vivíamos. Eu sou emigrante dos anos 60 e sabem quantas casas na minha terra tinham casa de banho? Contavam-se pelos dedos de uma mão, passados poucos anos começaram a emergir nas nossas aldeias as casas tipo “maison, com janelas por dentro e fenêtres por fora”,( Isto era dito por pessoas que , talvez como uma certa inveja, se sentiam ultrapassadas) mas também tinham casa de banho por dentro, o que levava algumas pessoas duma faixa etária mais adiantada, dizerem que as casas eram muito bonitas, mas fazerem as necessidades fisiológicas dentro de casa, é que não concordavam!
Eu estava a falar dos que conseguiram chegar ao destino e foram esses a base do emigrante de hoje. Esses que já não usam a mala de cartão, mas sim uma pasta de calfe e dentro dela o tal “canudo”. Aqui estão as diferenças; Os emigrantes dos anos 60, fugiram porque o regime de então não lhes dava a facilidade de saírem livremente para deixarem a miséria em que viviam. Os emigrantes de hoje são empurrados pelo governo actual a deixarem o país, porquê? Porque voltamos á miséria desse tempo.
O emigrante de então levava na bagagem as mãos calejadas para usarem a picareta porque não possuíam qualquer formação, quantos eram analfabetos e outros mal sabiam escrever o nome. Eu contactei com emigrantes de todas as regiões, uns mais letrados, outros não, alguns nem sabiam o que era o quilómetro, quando eu lhes perguntava por exemplo; a que distância morava da freguesia, eles respondiam-me: Olhe, fica aí a um tiro de chumbo ou o tempo de fumar um cigarro dois ou três consoante a distância, para estes só lhes restava como trabalho o uso da picareta. 
Nesse tempo os emigrantes levavam consigo azeite, feijão e outros alimentos, como chouriço e presunto, que lhes bastasse para a estadia lá até voltarem de férias, férias que cá nunca tiveram. Isto tudo porque como diziam, mostrando um franco entre os dedos, isto lá em “baixo”, referindo-se a Portugal, vale cinco. 
Era verdade, o franco valia cinco vezes mais que o escudo e o custo de vida lá era pouco superior ao de cá pelo que, com um pouco de poupança dava para amealhar três partes do ordenado, que era cinco vezes mais do que auferiam cá.
O emigrante de hoje leva na pasta o tal “canudo”, produto do sofrimento dos seus pais ou avós, que hoje voltam a sofrer, por ver os seus descendentes, serem obrigados a emigrar, embora sem o medo de serem presos na viagem pelas autoridades. Esta vaga de emigrantes de canudo, já não vão fazer comer, lavar a roupa ou dormir nas barracas de “Champigni”, nem sujeitos a todos os tipos de trabalho. Levam consigo formação que lhes permite trabalhar de bata branca, formação paga pelo erário público com o sacrifício de todos nós e que agora vão desenvolver e ajudar a economia estrangeira, enquanto a nossa se afunda cada vez mais. Serão isto soluções certas?
Senhores governantes aprendam a governar!...

sexta-feira, 28 de setembro de 2012

Recomendo...


(clicar na imagem para aumentar)

Retratos de Estimação é uma reportagem fotográfica.
E está em exposição.

Uma viagem pelo mundo dos afectos.

Um retrato da sociedade e da sua relação com animais de estimação.
Uma colecção de imagens plenas de carinho e ternura.
Um trabalho do Isidro Dias ( fotógrafo ). 

quarta-feira, 12 de setembro de 2012

Ter vivido, no tempo da outra senhora!

Foi difícil por muitos motivos, um dos quais a falta de liberdade de expressão. Vivíamos como que amordaçados. 
O regime tinha uma teia de tal forma montada, que não podíamos dar um passo fora do regime estabelecido por “eles,” que a informação desse passo logo lhes era transmitida pelos informadores que estavam em todos os lados. 
E nós não os conhecíamos... podia ser alguém que julgávamos amigo. 

Vou relatar um caso que se passou comigo. Eu naquele tempo já tinha um radiozito e sintonizava a Rádio Moscovo, que tinha um programa em língua portuguesa adverso ao regime daquele tempo. Um certo dia estava-mos na loja do ti Joaquim Martins e por acaso falámos nisso, logo um presente me pediu para eu lhe ensinar a sintonizar a dita estação, ao que eu acedi. Fui a casa dele prestar-lhe esse serviço. Qual não foi a minha surpresa, quando mais tarde concorri a um serviço público e esse episódio lá estava registado. Era assim, tudo era controlado pela máquina infernal duma ditadura que só terminou com a revolução de 1974.
Quem enfrentava o regime, tinha por certo as prisões, como a do forte de Caxias, a do forte de Peniche ou o Tarrafal, onde a maior parte dos presos, ali acabaram por morrer, não suportando a tortura a que eram sujeitos. Os jornais não eram distribuídos sem serem submetidos à censura, todas as notícias eram vistas e revistas, pelos homens do famoso lápis azul. Os lugares públicos eram preenchidos, só salvo raras excepções, por pessoas do “Amen”.

Deixamos a política, que dantes era horrorosa e hoje é badalhoca, e os seus agentes não passam duns comediantes. Passamos então aos sacrifícios da vida quotidiana que enfrentava-mos diariamente para sobreviver. Como, ir trabalhar nas terras descalço, laborar de sol a sol, ganhar quanto os patrões queriam pagar. Para os jovens de hoje:
- Sabem que naquele tempo o mundo do trabalho, começava aos sete anos? 
- Sabem também, que dantes havia os patrões e os criados? 
Os patrões eram os senhores e os criados eram os escravos. Não tinham direito a uma cama, dormiam nos palheiros, a comida era feita à parte da dos Senhores. As famílias eram grandes, havia casais que atingiam os doze filhos. Não havia planeamento familiar e desconhecia-se os anti contraceptivos. A protecção social, não se sabia o que era... Como estes pais, não tinham como sustentar os filhos, entregavam-nos a esses patrões, só pelo comer e pelo vestir, que era quase sempre a roupa que os filhos deles já não usavam. 
Isto não quer dizer que hoje não existam situações destas, mas mais escondidas.
Os doutores? 
Só o eram, os filhos desses doutores, ou os filhos daqueles que estavam com situação financeira firme e mesmo assim tinham que estar alinhados com o regime. Felizmente que neste aspecto a situação mudou um pouco, tenho bastante receio que volte ao mesmo.
Sem querer voltei à política, peço desculpa.
Volto ao quotidiano de antigamente, onde as nossas mães iam à feira, a pé e descalças, com a cesta à cabeça, com uns tostões na algibeira, ou com uma galinha para lá vender e fazer as suas compras. 
Nós, os miúdos, não se esquecíamos de pedir para que nos trouxessem um “cavalito”, que era a figura de um cavalo feito de massa de pão. Quando o dinheiro não chegava, a desculpa era de que as mulheres não tinham vindo vender. Lá ficava-mos nós à espera de outra feira para obter aquela, que para nós era uma guloseima e que de doce não tinha nada.
Havia tanta coisa para dizer, mas por agora vou-me ficar por aqui, porque tenho receio de me tornar repetitivo, uma vez que já escrevi sobre algumas destas coisas, noutros textos do meu blog.

Vila Nova, 12 de Setembro de 2012
Albertino Pereira Coelho  

quinta-feira, 26 de julho de 2012

Primeiro Ministro em Cantanhede


Visto em duas partes, na primeira foi a recepção em frente à Câmara Municipal, onde foi recebido pelo executivo camarário e vaiado por uma multidão de pessoas, que ostentavam bandeiras pretas, gritando mentiroso, mentiroso…………………….! 
E eu que nunca o tinha visto tão de perto, vi que realmente, ele tinha o nariz mais comprido que o do Sócrates.
Na segunda parte, foi à entrada da expo, onde o esperavam umas centenas de pessoas, ordeiramente calados. E à sua chegada, acotovelavam-se uns aos outros para o poder cumprimentar ou para lhe tocar nas vestes, como quando Cristo pregava pelo mundo! 


Depois do corte da fita, entrou, visitou alguns expositores, claro que não os podia visitar todos, porque são muitos. Estranhei que não fosse visitar o pavilhão onde estão representadas as escolas e outras instituições de carácter humanitário. 
Será porque já tinha levado que chegasse, em frente à Câmara? 
Eles lá sabem porquê…
Para o ano haverá mais. 

Vila Nova, 26 de julho de 2012
Albertino Pereira Coelho

quarta-feira, 4 de julho de 2012

Arte de esculpir a pedra

Hoje estou a falar do escultor Alves André, que é nosso conterrâneo. 
Participou num Simpósio do nosso calcário, (chamado pedra de Ançã). 
Foi organizado pela Camara Municipal de Cantanhede, onde compareceram vários escultores, vindos doutras regiões do país. 
Isto para dizer que para mim, que também sou da pedra, a melhor escultura desse simpósio é um baixo relevo de Alves André. As esculturas ali executadas, foram distribuídas pela cidade e por outros lugares do concelho. 
A do nosso escultor está escondida algures em Ançã. 
Tentem descobri-la e vejam se não tenho razão. 
Esconder uma obra daquelas é crime!

terça-feira, 22 de maio de 2012

Mostra Gastronómica de Outil

Amigos, já estão online as fotos da festa gastronómica da nossa freguesia.
Vejam aqui:
http://isidrodias.zenfolio.com nos Eventos Públicos

Partilhem com os amigos e vizinhos da freguesia.

quarta-feira, 16 de maio de 2012

O meu tempo de escola...

O meu tempo de escola foi de 1944 a 1948. Tempos difíceis pois estávamos em plena  segunda guerra mundial. 
Vou falar duma grande Senhora que se chamava Maria Emília Pereira que veio para Vila Nova em 1941 e daqui só saiu para o cemitério. Depois de cem anos de vida, ela foi a nossa professora durante mais ou menos trinta anos. Não foi só professora, foi também a educadora que substituiu os nossos pais que não tinham tempo para isso.
Era rigorosa neste aspecto e tinha sempre à mão a régua que usava por tudo e por nada. Usava-a porque não dava-mos o rendimento que ela pretendia ou para nos castigar por coisas que fazia-mos fora da escola.
E eu apanhava em casa e no dia seguinte apanhava dela na escola. Não achava justo, mas tinha que gramar, porque os meus pais delegavam nela toda a educação.
Ao sábado, formava-mos à sua frente para que nos passasse revista. Via se tinha-mos os ouvidos limpos, as unhas cortadas e limpas… e a pedra que era um rectângulo feito de ardósia envolto em madeira, que nós lavava-mos com sabão amarelo (sabão que era usado nos soalhos das casas), que eram lavadas de vez em quando. Quem não aparecia com a ardósia lavada… lá estava a régua à espera, como se nós miúdos de sete a onze anos tivesse-mos culpa dessa falta de limpeza.
Era exigente, mas se ela não fosse assim, nós não chegava-mos à quarta classe. E mesmo assim, só lá chegavam quatro ou cinco por ano. No meu ano fomos só três. Isto devia-se ao facto de os nossos pais, precisarem de nós para outras tarefas.
A maior parte depois da escola, iam ter com os pais às propriedades ajudá-los nessas tarefas, em especial à frente a guiar os bois na lavoura da terra. Como o ensino não era obrigatório, assim que os filhos aprendiam a ler e escrever o seu nome, logo eram retirados da escola para entrarem no mundo do trabalho, em muitos casos logo a partir dos sete anos.
Naquele tempo, não se falava em exploração infantil.
Até se dizia; “O trabalho do menino é louco, mais louco mais louco é quem o desperdiça”.
Eram outros tempos! Era o tempo em que as pessoas se respeitavam, havia o culto da obediência aos pais e o respeito aos mais velhos, quando se cruzava-mos saudávamo-nos com um Adeus, um bom dia, uma boa tarde, ou boa noite e até amanhã se Deus quiser.
Depois da ceia tínhamos que rezar e no fim pedir a bênção aos pais. Onde estão esses valores? Não faziam mal a ninguém. Lembra-me como se fosse hoje, o meu primeiro dia de escola.
Lá fui eu todo contente, descalço com uma bolsa de serapilheira e dentro dela uma pedra de ardósia e um ponteiro feito da mesma pedra.
Isto comparado com a mochila dos alunos de hoje, que carregam às costas vários kilos de peso. Um dia destes dei-me ao trabalho de pesar a mochila da minha neta, e verifiquei com espanto que ela pesava mais de sete kilos.
Naquele tempo, o lápis vinha depois e a caneta a tinta, só vinha muito mais tarde. Não era por isso que eramos bons ou maus alunos. Ela espremia-nos ao máximo, com métodos de ensino que não eram os mais ortodoxos. No nosso tempo de quatro anos de escola, tinha-mos que aprender de tudo, na geografia; saber de cor o nome de todas as províncias de norte a sul de Portugal, incluindo as do chamado ultramar português, todos os rios e seus afluentes e todas as linhas férias e seus ramais.
Na aritmética, tinha-mos que saber a tabuada de cor e salteado, e ai de nós se ela nos via a contar pelos dedos. Na história, saber os nomes de todos reis e seus cognomes, o nome e datas de todas as batalhas, quer com os castelhanos, quer com os mouros. Na gramática, saber todos os tempos dos verbos, adjectivos, pronomes, substantivos etc.
Ler bem e escrever sem erros, era outra exigência dela. Mas tudo isto ela conseguia, com reguadas ou sem elas. Nós tudo suportava-mos, às vezes com o estomago vazio, pois quantas vezes saia-mos de casa para a escola com fome. Mesmo assim considero-a como uma grande pedagoga. Se não fosse ela, não era pelos meus pais que eu chegava à quarta classe.
Acerca desta nossa professora, vou colar a carta que escrevi e li na homenagem, que lhe dedicámos, organizada pela professora Humbelina Louro, no seu centésimo aniversário.
Vila Nova, Maio de 2012


HOMENAGEM

Esta homenagem que merecidamente aqui estamos a prestar à nossa professora, que adoptou Vila Nova como sua terra e por cá ficou mais de meio século e ficará, olhando à saúde de ferro que aparenta.
Agora agradecia que me deixassem falar um pouco de mim e da Sra. Professora Mª Emília Pereira, para lhe endereçar o meu mais profundo agradecimento por me ter levado a fazer o exame da 4ª classe, pois que os meus pais já tinham decidido que ficaria pela 3ª e iria para a frente dos bois pegando-lhe na soga, guiando-os na lavra dos terrenos, era o que tinha acontecido aos meus irmãos, “hoje chamam-lhe exploração infantil”!  
Não querendo a professora que isto acontecesse mandando alguém da sua estima, a minha casa falar com Eles e assim consegui chegar à 4ª classe, que me deixou preparado para mais tarde concorrer a um cargo que exigia esse grau de ensino e fazer, quando adulto, o 2º ano de liceu.
Também quero dizer que à entrada do 1º dia de aulas fiquei um pouco decepcionado com Ela, uma vez que eu era muito sardento, sabem o que ela me disse?
– Olha este vem todo cágado das moscas! 
Mas isto nunca afectou o relacionamento aluno professora.
Estou também a lembrar-me dos conselhos, entre aspas, que Ela usava para nos fazer aprender, doeu mas valeu a pena!
Termino a desejar-lhe uns anitos mais de vida, mas outros 100 acho que são demais!
Obrigado professora.                                                                                                      
O seu dedicado aluno Albertino Coelho.
Dezembro de 2010

segunda-feira, 26 de março de 2012

UMA VIAGEM NO TEMPO

E o tempo foi a guerra do Ultramar português, onde estavam inseridas, as províncias, em solo africano, de Angola, Moçambique, Guiné Bissau, Cabo Verde e São Tomé e Príncipe. Eu fui mobilizado em missão de soberania, integrado numa Companhia Móvel da Policia de Segurança Pública.
Fui parar a Angola, onde permaneci dois anos. Foi um tempo que considero muito bom, dada a minha juventude, nada nos metia medo, a guerra parecia uma brincadeira. À saída de Lisboa, em Junho de 1963, (precisamente quatro dias depois de ter caído uma placa de betão armado que servia de abrigo aos utentes do comboio da linha de Cascais, no cais do Sodré, que tirou a vida a uma vintena de pessoas, também nesse ano estava em curso a construção da PONTE sobre o TEJO), parecia que íamos para uma festa, embarcamos no velho UIGE, apoiados pelas senhoras do Movimento Nacional feminino que nos deram alguns maços de tabaco e nos desejaram boa sorte!... 
Este Movimento foi criado pelo governo de Salazar para mostrar uma certa solidariedade entre as forças armadas que partiam e os portugueses que ficavam a sofrer de saudades, dos seus familiares, sem a certeza que eles voltariam. Estas incertezas fizeram sofrer muitos pais, muitos irmãos, muitas namoradas e muitos amigos. Muita desta gente veio, infelizmente a chorar os seus mortos e a fazer o luto sem corpo, tragédia que ainda hoje não esqueceram!... Este Movimento também, proporcionava os contactos com madrinhas de guerra, para os soldados, que eram confortados por estas, através de aerogramas, fornecidos grátis e com porte pago pelo governo. Muitas destas madrinhas tornaram-se esposas destes soldados!
Chegamos a Angola passados treze longos dias a balouçar nas ondas do Oceano Atlântico, escoltados pelos golfinhos, que dum lado e do outro do barco, nos acompanhavam durante muitas milhas, fiquei surpreendido de ver peixes a voar, não sabia que existiam, o enjoo não nos abandonava, mas lá chegamos a Las Palmas, que para mim e para muitos dos meus colegas, era a primeira vez que pisávamos solo estrangeiro. Daqui fomos parar a São Tomé, mas não atracamos porque não havia cais, e se quisemos ir a terra tivemos que nos aventurar a viajar num barco que já não me lembro se era a motor ou a remos, mas fomos e regressamos passadas algumas horas. Posto o pé pela primeira vez em solo africano, senti uma sensação estranha, que me levou a perder a euforia que sentia até ali. Enquanto estivemos na ilha aproveitamos para dar uma volta. Ao cair da noite, ao passarmos junto a um restaurante, senti um arrepio ao ouvir, em terras tão longínquas, o nome de Cantanhede na rádio, que tinha um altifalante na esplanada.
A notícia era do regresso de Vagos da bandeira dos Bombeiros Voluntários onde todos os anos ali se desloca em peregrinação, para cumprir uma promessa feita numa ocasião em que não chovia há quatros anos, pelo que levou estas gentes de Cantanhede, a deslocar-se à Nossa Senhora da Varziela, implorando que chovesse.
Ao chegarem a esse local, ouviram um sino a tocar para os lados de Vagos e para aí se deslocaram. Foram até encontrar uma ermida onde se encontrava a imagem de Nossa Senhora de Vagos, e aí de frente à Imagem lhe imploraram que chovesse para suas terras, o que aconteceu. E logo prometeram, que todos os anos ali iriam com o chamado “bodo” a distribuir pelos pobres, o que ainda hoje acontece. Isto é o que diz a lenda!
Então embarcados de novo no velho UIGE, lá fomos nós rumo a Luanda.
Ao atracarmos, fomos recebidos com o som arrepiante a sair dos altifalantes a gritar ANGOLA É NOSSA; ANGOLA É NOSSA……….. com uma música a acompanhar, que fazia por os cabelos em pé. Depois de sermos apresentados e distribuídos pelos respectivos serviços do Comando da Polícia de Segurança Pública de Luanda. A partir de agora, ficámos sujeitos aos perigos duma guerra sem frente de batalha. O perigo estava escondido em cada esquina e em cada canto, em especial nos ”Muceques” (residências construídas de pau a pique, onde só moravam nativos). Era muito perigoso patrulhar aqueles sítios, mas apesar de algumas escaramuças, lá nos fomos safando.
Estou a falar só de Luanda onde a guerrilha estava controlada, pior era no resto do território, em especial no norte, onde aguerrilha continuava a deixar de luto tantas famílias que sem culpa nenhuma ficaram a sofrer uma vida inteira as perdas dos seus ente-queridos. Tinha-mos uma cantina da Polícia onde eramos comensais por nos ficar mais barato, pois o ordenado, embora fosse o tripulo do que ganhávamos na “metrópole”   não dava para uma pensão decente. Só estou falar disto para dizer que a alimentação era quase sempre a mesma, “pacaça velha” o que nos valia era a dentadura de jovem que tudo roía. O melhor prato era o grão com bacalhau, uma vez por semana. A vivência fora das funções profissionais era uma maravilha, pois o nível de vida em LUANDA era de gente rica, bom clima, boas praias, boas esplanadas de cinema, nas esplanadas das cervejarias com um cheiro a marisco contínuo, convidavam-nos a sentar à mesa a deliciar umas boas canecas de cerveja, com os aperitivos que as acompanhavam e eram à borla.
Vejam a diferença de Lisboa, onde o aperitivo eram tremoços. Aqui era um pires de dobrada com broa, uns “esquisinhos” fritos, ou um pires de camarão. Quem bebesse meia dúzia de cervejas, que era muito fácil atingir este número, dado a temperatura que rondava sempre os 35 graus, não necessitava de jantar. Por isto não podemos criticar a revolta dos “retornados”, com a vida que lá tinham e como para cá vieram viver (alguns).
Quero-vos dizer que a minha intenção não é escrever a minha biografia. E se escrevo muitas vezes na primeira pessoa… é porque, me é mais fácil narrar os contos ou os factos que são comuns a muita gente.
Agora sim vou falar um pouco de mim, nos dois anos que passei em Angola; foi um tempo bem passado, à parte dumas escaramuças com uns tiros para o ar e umas cabeças partidas resultado de desentendimentos entre negros e brancos, mas nunca provocados por mim, mas sim por alguns brancos, que se diziam meus amigos e se aproveitavam da minha posição policial para amesquinharem os nativos.
Isto dava sempre mau resultado, pois estávamos em plena divulgação da igualdade de direitos, colocando de lado as cores, aplicando uma psicologia que os nativos bem sabiam aproveitar, e alguns deles tinham mais cultura que aqueles que os queriam diminuir.
Fiz uma viagem em serviço ao sul, a Silva Porto onde tudo era pacífico, por isso os habitantes de lá não diziam Silva Porto, diziam Silva Morto. Era tudo tão calmo que durante a noite, apenas se ouviam, ao longe os grunhidos dos animais selvagens e o badalar do sino da torre, informando-nos as horas. A noite que lá passei, quase não dormi, aproveitando aquela calma para meditar, ainda hoje me lembro de tudo o que pensei naquela noite, as previsões que fiz para o meu futuro, e que muitas se concretizaram felizmente. De regresso a Luanda, pois estava a mil quilómetros, a maior parte do percurso feito em terra batida. Como não conseguia fazer a viagem só num dia, resolvi passar por Nova Lisboa, hoje Huambo, onde pernoitei. Aproveitei para visitar conterrâneos, que ali estavam radicados, há muitos anos e que nem sequer nos conhecíamos, mas receberam-me muito bem. Daqui para Luanda foi um “pulo” de setecentos quilómetros, lembro-me de ter almoçado na Cela um churrasco bem temperado com gindungo, que ainda hoje me está a saber bem!... 
Agora sim estava mais perto de Luanda, onde cheguei à noite.
Enquanto em Luanda fazíamos uma vida absolutamente normal, no norte continuavam as guerrilhas que iam “libertando da vida” tantos jovens, que sem culpa nenhuma, daquela guerra estupida, pagaram com a vida as asneiras feitas por uma ditadura, que só terminou com uma revolução feita por um punhado de corajosos. Bem hajam os capitães de Abril.
Quando terminamos os dois anos de comissão de serviço, regressamos… e com a sorte de viajarmos no melhor navio da nossa frota mercante O Infante D. Henrique (por onde andará este luxuoso paquete?) que maravilha. Uma cidade flutuante. Se não viéssemos ao convés, não sabíamos que vínhamos a navegar. Passamos novamente por Las Palmas, aí aproveitamos para fazer umas compras, pois como estávamos numa zona franca, as coisas eram mais baratas. Eu comprei um gravador de som, de bobines com fita magnética, que ainda hoje conservo, e regalo-me de ouvir o que gravei há 50 anos, no resto da viagem.
Ainda passamos pelo Funchal, ali fiquei chocado com o que vi. Crianças com seis, sete anos, a angariar clientes para as casas de bordel. O meu grupo trocou o bordel por uma visita a uma parte da ilha. As flores nesse tempo abundavam por todo o lado. Visitei a ilha há dois anos e já nada é igual, é tudo mais artificial. Corremos todas as tascas que existiam à beira do cais de embarque, a beber o bom vinho da Madeira e a comer “bacalhau com cebola crua”. Como é que chamam a este petisco?
Tão distraídos andávamos, que se esquecemos da hora do embarque, quando chegamos ao barco, as escadas do cais, já lá não estavam. Felizmente que o barco ainda estava encostado e tinha escada de serviço. Finda esta peripécia, foi só esperar mais vinte e quatro horas para chegar a Lisboa, onde chegamos no dia 21 de Julho de 1965 e já navegamos sob a ponte que se veio a  chamar Ponte Salazar.
Com o orgulho do dever bem cumprido, fomos recebidos pelo Sr. Comandante-Geral da Polícia de Segurança Pública Portuguesa no seu gabinete, pois dos mais de cem que fomos, só regressamos uma dúzia, pelo que não foi necessário receber-nos na parada. Desejou-nos as boas vindas e distribui-nos pelos diversos comandos.
A mim coube-me o comando de Coimbra. Pronto, a viagem acabou aqui, onde suportei a farda, durante oito longos meses.
A parti daqui, o meu destino foi outro e as viagens também!



Vila Nova, Março de 2012.      

quinta-feira, 1 de março de 2012

O SINO PERDEU O BADALO!

Aquilo que vou relatar, aconteceu quando nos preparávamos para acompanhar o corpo do infeliz CESÁRIO á sua última morada. Só agora tenho a coragem de relatar este episódio, respeitando o luto que se vai dissipando com o tempo.
Pois o sino da torre que ilustra este texto, estava a anunciar com as suas badaladas a chamada para as pessoas se reunirem para o triste acto, quando o badalo se desintegrou do dito sino, vindo cair no local onde habitualmente, nestes actos, sempre estão muitas pessoas.
Podia-se aplicar aqui “aquela”, de que uma desgraça nunca vem só. Foi milagre não ter atingido ninguém? “Alguém” estava a velar por nós? 
A ser assim, porque é que esse “alguém” não velou pelo pobre do Cesário? 
Coisa de que não obtemos reposta.
Eu estava a menos de dois metros do local onde caiu o badalo, que não deve pesar menos de meia dúzia de quilos, por isso rogo-me o direito de exigir aos senhores responsáveis pela manutenção dos pertences da Igreja, que estejam mais atentos, evitando novas desgraças!     


segunda-feira, 9 de janeiro de 2012

CONTINUIDADE DO ANTIGAMENTE

Não me esqueço dos mendigos que vinham às portas pedir alguma coisa para comer. 
E nós quando tínhamos, dávamos. 
Quando não tinhamos, que era a maior parte das vezes, a minha mãe mandava-me ir dar o perdão de Deus, que era assim:
- Nosso  Senhor o remedeie!
E lá ia o pobre do mendigo com a mesma fome, bater a outra porta... 
Lembra-me que havia um que trazia uma guitarra, e para agradecer a esmola tocava ou rezava e perguntava assim: 
- Quer que toque ou quer que reze?...
Sabiam que nesse tempo as pessoas andavam descalças? 
Mas numa certa altura o governo proibiu essa prática, assim como a mendicidade, e curiosamente legalizou a prostituição.
E as pessoas quando se deslocavam aos sítios onde sabiam que havia fiscalização, levavam o calçado numa bolsa ou às costas e só se calçavam ao chegarem a esses sítios, com receio de serem autuadas, porque a coima era de vinte e cinco tostões, (2 escudos e 50 centavos). 
Naquele tempo dava para comprar um cento de sardinha e ainda um pão de 2ª.

Saibam também os mais novos, que nós naquele tempo não tinhamos locais de diversão.
A não ser o nosso Clube, que de vez em quando fazia um baile, fora disto havia sempre alguém que organizava um baile de rua, que era o Salgado de Aljouriça com a sua concertina em cima dum carro de bois, onde as raparigas, ainda dançavam descalças. 
Os cafés só existiam nas cidades. Havia a taberna do ti Joaquim Martins que vendia uns copos de vinho, umas cachaças, ponche, aniz e pirolitos.  Havia também as adegas dos nossos pais, quem as tinha, onde a rapaziada nova ora numa ou noutra, se juntava para beber uns copos e até fazíamos uns pesticos, para fazer apatite à pinga. 
Mas o mais sacrificado, era o Celso na adega do avô, ti Manuel Besugo. O padeiro,  António Baltazar, que fazia  a distribuição de pão no lugar da Pena e trazia do talho do Lavado, um quilo de fêveras, que depois de guisadas, com umas batatas cozidas com pele, nos sabia às "mil maravilhas", pois nas nossas casas, a carne era rara. 
Foi assim que passamos a nossa juventude, isto acontecia só aos sábados á noite e domingos. Os que tinham namoradas iam ter com elas, mas só aos domingos e quartas feiras à noite. E era o autorizado pelos pais!
Mas era assim que nós dávamos valor às coisas que saíam da rotina,  que habitualmente era a broa, a sardinha e as batatas, (que eram produto do "troco"que já salientei noutros escritos deste blog).
Radios, havia nos anos quarenta, aqui na terra dois ou três, onde por favor, íamos ouvir algumas transmissões, como a do dia 13 de maio, as celebrações da aparição de Nª Senhora na Cova de Iria, Fátima. 
Por volta de 1950, o nosso clube, eu digo nosso porque todos os habitantes, salvo raras excepções, eram sócios a partir dos 16 anos sócios.
E era lá que íamos ouvir música e as transmissões de alguns eventos desportivos, tais como a volta a Portugal em bicicleta e o campeonato do mundo de hóquei em patins, do qual fomos campeões vários anos.
Éramos bons a patinar e ainda hoje somos, mas a patinar para traz!...
Naquele tempo, como não tínhamos água da torneira, as mulheres iam lavar a roupa ao "rio",.
O rio era onde? 
Ou era à Ribeira dos Moinhos onde há um curso de água que vai desaguar no rio mondego, e que fazia funcionar os moinhos de farinha que existiam, e que deram o nome ao lugar. Ou era á Ponte da Lapa, ou à Ponte do Gorgo Encheiro, cursos de água que vão desaguar ao mar. 
Uma vez localizados os locais onde iam as mulheres doutro tempo lavar a sua roupinha, especialmente a roupa da cama, que era lavada de tempos a tempos,.
Na maior parte das casas, era tirada de manhã da cama e voltada a meter à noite, porque não havia outra. 
Então as mulheres organizavam-se aos ranchos e faziam uma espécie de romaria.
Levantavam-se cedo, aparelhavam a burra, que era o meio de transporte, carregavam-na depois de terem cozido umas batatas  com  bacalhau e cebola, bem regadas com o nosso azeite, que é de boa qualidade. Como não havia arcas térmicas, embrulhavam a panela em pardo para manter a temperatura e não comerem as batatas frias ao meio dia!..
Por agora vou-me ficar por aqui. 
No próximo texto irei relatar o tempo após a aparição da televisão em Portugal.