Foi difícil por muitos motivos, um dos quais a
falta de liberdade de expressão. Vivíamos como que amordaçados.
O regime tinha
uma teia de tal forma montada, que não podíamos dar um passo fora do regime
estabelecido por “eles,” que a informação desse passo logo lhes era transmitida
pelos informadores que estavam em todos os lados.
E nós não os conhecíamos... podia ser alguém que julgávamos amigo.
Vou relatar um caso que se passou
comigo. Eu naquele tempo já tinha um radiozito e sintonizava a Rádio Moscovo,
que tinha um programa em língua portuguesa adverso ao regime daquele tempo. Um
certo dia estava-mos na loja do ti Joaquim Martins e por acaso falámos nisso,
logo um presente me pediu para eu lhe ensinar a sintonizar a dita estação, ao
que eu acedi. Fui a casa dele prestar-lhe esse serviço. Qual não foi a minha
surpresa, quando mais tarde concorri a um serviço público e esse episódio lá
estava registado. Era assim, tudo era controlado pela máquina infernal duma
ditadura que só terminou com a revolução de 1974.
Quem enfrentava o regime, tinha por certo as
prisões, como a do forte de Caxias, a do forte de Peniche ou o Tarrafal, onde a
maior parte dos presos, ali acabaram por morrer, não suportando a tortura a que
eram sujeitos. Os jornais não eram distribuídos sem serem submetidos à censura,
todas as notícias eram vistas e revistas, pelos homens do famoso lápis azul. Os
lugares públicos eram preenchidos, só salvo raras excepções, por pessoas do
“Amen”.
Deixamos a política, que dantes era horrorosa e hoje é badalhoca, e os seus agentes não passam duns comediantes. Passamos então aos sacrifícios da vida quotidiana que enfrentava-mos diariamente para sobreviver. Como, ir trabalhar nas terras descalço, laborar de sol a sol, ganhar quanto os patrões queriam pagar. Para os jovens de hoje:
- Sabem que
naquele tempo o mundo do trabalho, começava aos sete anos?
- Sabem também, que dantes
havia os patrões e os criados?
Os patrões eram os senhores e os criados eram os
escravos. Não tinham direito a uma cama, dormiam nos palheiros, a comida era
feita à parte da dos Senhores. As famílias eram grandes, havia casais que
atingiam os doze filhos. Não havia planeamento familiar e desconhecia-se os
anti contraceptivos. A protecção social, não se sabia o que era... Como estes
pais, não tinham como sustentar os filhos, entregavam-nos a esses patrões, só
pelo comer e pelo vestir, que era quase sempre a roupa que os filhos deles já
não usavam.
Isto não quer dizer que hoje não existam situações destas, mas mais
escondidas.
Os doutores?
Só o eram, os filhos desses doutores, ou os filhos daqueles que estavam com
situação financeira firme e mesmo assim tinham que estar alinhados com o regime.
Felizmente que neste aspecto a situação mudou um pouco, tenho bastante receio
que volte ao mesmo.
Sem querer
voltei à política, peço desculpa.
Volto ao
quotidiano de antigamente, onde as nossas mães iam à feira, a pé e descalças,
com a cesta à cabeça, com uns tostões na algibeira, ou com uma galinha para lá
vender e fazer as suas compras.
Nós, os miúdos, não se esquecíamos de pedir
para que nos trouxessem um “cavalito”, que era a figura de um cavalo feito de
massa de pão. Quando o dinheiro não chegava, a desculpa era de que as mulheres
não tinham vindo vender. Lá ficava-mos nós à espera de outra feira para obter
aquela, que para nós era uma guloseima e que de doce não tinha nada.
Havia tanta
coisa para dizer, mas por agora vou-me ficar por aqui, porque tenho receio de
me tornar repetitivo, uma vez que já escrevi sobre algumas destas coisas,
noutros textos do meu blog.
Vila Nova, 12 de Setembro de 2012
Albertino Pereira Coelho
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