segunda-feira, 9 de janeiro de 2012

CONTINUIDADE DO ANTIGAMENTE

Não me esqueço dos mendigos que vinham às portas pedir alguma coisa para comer. 
E nós quando tínhamos, dávamos. 
Quando não tinhamos, que era a maior parte das vezes, a minha mãe mandava-me ir dar o perdão de Deus, que era assim:
- Nosso  Senhor o remedeie!
E lá ia o pobre do mendigo com a mesma fome, bater a outra porta... 
Lembra-me que havia um que trazia uma guitarra, e para agradecer a esmola tocava ou rezava e perguntava assim: 
- Quer que toque ou quer que reze?...
Sabiam que nesse tempo as pessoas andavam descalças? 
Mas numa certa altura o governo proibiu essa prática, assim como a mendicidade, e curiosamente legalizou a prostituição.
E as pessoas quando se deslocavam aos sítios onde sabiam que havia fiscalização, levavam o calçado numa bolsa ou às costas e só se calçavam ao chegarem a esses sítios, com receio de serem autuadas, porque a coima era de vinte e cinco tostões, (2 escudos e 50 centavos). 
Naquele tempo dava para comprar um cento de sardinha e ainda um pão de 2ª.

Saibam também os mais novos, que nós naquele tempo não tinhamos locais de diversão.
A não ser o nosso Clube, que de vez em quando fazia um baile, fora disto havia sempre alguém que organizava um baile de rua, que era o Salgado de Aljouriça com a sua concertina em cima dum carro de bois, onde as raparigas, ainda dançavam descalças. 
Os cafés só existiam nas cidades. Havia a taberna do ti Joaquim Martins que vendia uns copos de vinho, umas cachaças, ponche, aniz e pirolitos.  Havia também as adegas dos nossos pais, quem as tinha, onde a rapaziada nova ora numa ou noutra, se juntava para beber uns copos e até fazíamos uns pesticos, para fazer apatite à pinga. 
Mas o mais sacrificado, era o Celso na adega do avô, ti Manuel Besugo. O padeiro,  António Baltazar, que fazia  a distribuição de pão no lugar da Pena e trazia do talho do Lavado, um quilo de fêveras, que depois de guisadas, com umas batatas cozidas com pele, nos sabia às "mil maravilhas", pois nas nossas casas, a carne era rara. 
Foi assim que passamos a nossa juventude, isto acontecia só aos sábados á noite e domingos. Os que tinham namoradas iam ter com elas, mas só aos domingos e quartas feiras à noite. E era o autorizado pelos pais!
Mas era assim que nós dávamos valor às coisas que saíam da rotina,  que habitualmente era a broa, a sardinha e as batatas, (que eram produto do "troco"que já salientei noutros escritos deste blog).
Radios, havia nos anos quarenta, aqui na terra dois ou três, onde por favor, íamos ouvir algumas transmissões, como a do dia 13 de maio, as celebrações da aparição de Nª Senhora na Cova de Iria, Fátima. 
Por volta de 1950, o nosso clube, eu digo nosso porque todos os habitantes, salvo raras excepções, eram sócios a partir dos 16 anos sócios.
E era lá que íamos ouvir música e as transmissões de alguns eventos desportivos, tais como a volta a Portugal em bicicleta e o campeonato do mundo de hóquei em patins, do qual fomos campeões vários anos.
Éramos bons a patinar e ainda hoje somos, mas a patinar para traz!...
Naquele tempo, como não tínhamos água da torneira, as mulheres iam lavar a roupa ao "rio",.
O rio era onde? 
Ou era à Ribeira dos Moinhos onde há um curso de água que vai desaguar no rio mondego, e que fazia funcionar os moinhos de farinha que existiam, e que deram o nome ao lugar. Ou era á Ponte da Lapa, ou à Ponte do Gorgo Encheiro, cursos de água que vão desaguar ao mar. 
Uma vez localizados os locais onde iam as mulheres doutro tempo lavar a sua roupinha, especialmente a roupa da cama, que era lavada de tempos a tempos,.
Na maior parte das casas, era tirada de manhã da cama e voltada a meter à noite, porque não havia outra. 
Então as mulheres organizavam-se aos ranchos e faziam uma espécie de romaria.
Levantavam-se cedo, aparelhavam a burra, que era o meio de transporte, carregavam-na depois de terem cozido umas batatas  com  bacalhau e cebola, bem regadas com o nosso azeite, que é de boa qualidade. Como não havia arcas térmicas, embrulhavam a panela em pardo para manter a temperatura e não comerem as batatas frias ao meio dia!..
Por agora vou-me ficar por aqui. 
No próximo texto irei relatar o tempo após a aparição da televisão em Portugal.