O meu tempo de escola foi de 1944 a
1948. Tempos difíceis pois estávamos em plena
segunda guerra mundial.
Vou falar duma grande Senhora que se
chamava Maria Emília Pereira que veio para Vila Nova em 1941 e daqui só saiu
para o cemitério. Depois de cem anos de vida, ela foi
a nossa professora durante mais ou menos trinta anos. Não foi só professora,
foi também a educadora que substituiu os nossos pais que não tinham tempo para
isso.
Era rigorosa neste aspecto e tinha
sempre à mão a régua que usava por tudo e por nada. Usava-a porque não dava-mos
o rendimento que ela pretendia ou para nos castigar por coisas que fazia-mos
fora da escola.
E eu apanhava em casa e no dia
seguinte apanhava dela na escola. Não achava justo, mas tinha que gramar,
porque os meus pais delegavam nela toda a educação.
Ao sábado, formava-mos à sua frente
para que nos passasse revista. Via se tinha-mos os ouvidos limpos, as unhas
cortadas e limpas… e a pedra que era um rectângulo feito de ardósia envolto em
madeira, que nós lavava-mos com sabão amarelo (sabão que era usado nos soalhos
das casas), que eram lavadas de vez em quando. Quem não aparecia com a ardósia
lavada… lá estava a régua à espera, como se nós miúdos de sete a onze anos tivesse-mos
culpa dessa falta de limpeza.
Era exigente, mas se ela não fosse
assim, nós não chegava-mos à quarta classe. E mesmo assim, só lá chegavam
quatro ou cinco por ano. No meu ano fomos só três. Isto
devia-se ao facto de os nossos pais, precisarem de nós para outras tarefas.
A maior parte depois da escola, iam
ter com os pais às propriedades ajudá-los nessas tarefas, em especial à frente
a guiar os bois na lavoura da terra. Como o ensino não era obrigatório, assim
que os filhos aprendiam a ler e escrever o seu nome, logo eram retirados da
escola para entrarem no mundo do trabalho, em muitos casos logo a partir dos
sete anos.
Naquele tempo, não se falava em
exploração infantil.
Até se dizia; “O trabalho do menino é louco, mais louco
mais louco é quem o desperdiça”.
Eram outros tempos! Era o tempo em
que as pessoas se respeitavam, havia o culto da obediência aos pais e o
respeito aos mais velhos, quando se cruzava-mos saudávamo-nos com um Adeus, um
bom dia, uma boa tarde, ou boa noite e até amanhã se Deus quiser.
Depois da ceia tínhamos que rezar e
no fim pedir a bênção aos pais. Onde estão esses valores? Não faziam mal a
ninguém. Lembra-me como se fosse hoje, o meu
primeiro dia de escola.
Lá fui eu todo contente,
descalço com uma bolsa de serapilheira e dentro dela uma pedra de ardósia e um
ponteiro feito da mesma pedra.
Isto comparado com a mochila dos
alunos de hoje, que carregam às costas vários kilos de peso. Um dia destes
dei-me ao trabalho de pesar a mochila da minha neta, e verifiquei com espanto
que ela pesava mais de sete kilos.
Naquele tempo, o lápis vinha depois
e a caneta a tinta, só vinha muito mais tarde. Não era por isso que eramos bons
ou maus alunos. Ela espremia-nos ao máximo, com métodos de ensino que não eram
os mais ortodoxos. No nosso tempo de quatro anos de escola, tinha-mos que
aprender de tudo, na geografia; saber de cor o nome de todas as províncias de
norte a sul de Portugal, incluindo as do chamado ultramar português, todos os
rios e seus afluentes e todas as linhas férias e seus ramais.
Na aritmética, tinha-mos que saber a
tabuada de cor e salteado, e ai de nós
se ela nos via a contar pelos dedos. Na história, saber os nomes de todos reis
e seus cognomes, o nome e datas de todas as batalhas, quer com os castelhanos,
quer com os mouros. Na gramática, saber todos os tempos dos verbos, adjectivos,
pronomes, substantivos etc.
Ler bem e escrever sem erros, era
outra exigência dela. Mas tudo isto ela conseguia, com reguadas ou sem elas. Nós
tudo suportava-mos, às vezes com o estomago vazio, pois quantas vezes saia-mos
de casa para a escola com fome. Mesmo assim considero-a como uma grande
pedagoga. Se não fosse ela, não era pelos meus pais que eu chegava à quarta
classe.
Acerca desta nossa professora, vou
colar a carta que escrevi e li na homenagem, que lhe dedicámos, organizada pela
professora Humbelina Louro, no seu centésimo aniversário.
Vila Nova, Maio de 2012
HOMENAGEM
Esta homenagem que merecidamente aqui estamos
a prestar à nossa professora, que adoptou Vila Nova como sua terra e por cá
ficou mais de meio século e ficará, olhando à saúde de ferro que aparenta.
Agora agradecia que me deixassem falar um
pouco de mim e da Sra. Professora Mª Emília Pereira, para lhe endereçar o meu
mais profundo agradecimento por me ter levado a fazer o exame da 4ª classe,
pois que os meus pais já tinham decidido que ficaria pela 3ª e iria para a
frente dos bois pegando-lhe na soga, guiando-os na lavra dos terrenos, era o
que tinha acontecido aos meus irmãos, “hoje chamam-lhe exploração infantil”!
Não querendo
a professora que isto acontecesse mandando alguém da sua estima, a minha casa
falar com Eles e assim consegui chegar à 4ª classe, que me deixou preparado
para mais tarde concorrer a um cargo que exigia esse grau de ensino e fazer,
quando adulto, o 2º ano de liceu.
Também quero dizer que à entrada do 1º dia
de aulas fiquei um pouco decepcionado com Ela, uma vez que eu era muito
sardento, sabem o que ela me disse?
– Olha este vem todo cágado das moscas!
Mas isto
nunca afectou o relacionamento aluno professora.
Estou também a lembrar-me dos conselhos,
entre aspas, que Ela usava para nos fazer aprender, doeu mas valeu a pena!
Termino a desejar-lhe uns anitos mais de
vida, mas outros 100 acho que são demais!
Obrigado professora.
O
seu dedicado aluno Albertino Coelho.
Dezembro de 2010