segunda-feira, 28 de novembro de 2011

O ANTIGAMENTE


Eu nasci em 1937.

Tinha dois anos quando rebentou a 2ª guerra mundial, que muito nos fez sofrer, não por perda de vidas humanas, mas sim pela fome que passamos. 
SALAZAR avisou o país que o livrava da guerra, não tendo enviado nenhum soldado para a frente de batalha, mas não o livrava da fome e foi o que aconteceu. E lá iam os comboios com direcção á FRANÇA carregados de mantimentos, com a menção escrita colada nos vagões “SOBRAS DE PORTUGAL”.
Esta de “sobras” é forte, mas acho que foi a melhor opção. É a partir desta data que eu vou relatar os usos e costumes do nosso povo desde que me lembro...e eu lembro-me de coisas passadas de quando eu tinha menos de três anos.
Recordo-me de ir buscar um banco para a minha mãe se sentar para me dar mama, pois naquele tempo não havia suplemento para acompanhar a alimentação das crianças, como hoje e as desgraçadas das mães é que o pagavam. Recordo-me também de acordar sem ninguém em casa e chorar até me “fartar”, mas ninguém me acudia. O meu pai e os meus irmãos mais velhos tinham ido para a pedreira,. A minha mãe com os outros, para as terras e os vizinhos também. 
Pois antigamente, o trabalho nos meios rurais, como o nosso, eram iniciados ao nascer do sol e a primeira refeição era na terra, e era à hora do apito do comboio das nove, na linha do ramal Pampilhosa Figueira da Foz (hoje, com muita pena nossa... abandonado). 
A segunda era em casa.
Despegavam quando o sino da torre da igreja tocava as badaladas do meio dia,. Depois de fazerem a cesta voltavam ao trabalho, cada um levava a merenda para comerem quando o comboio apitasse, por volta das cinco da tarde, era o chamado “comboio da merenda”, despegavam quando o sacristão tocasse as trindades no sino da torre que era mesmo até não se ver. Até aqui, já contabilizamos três refeições . Falta a quarta, que era a ceia. Penso que por serem quatro refeições por dia, que a minha sogra, que tem noventa e seis anos, no dia da última festa cá da terra, quando estávamos a almoçar (que antigamente se dizia por aqui jantar) quis que lhe dessem um copo de vinho, e quando lhe o recusaram, dizendo que lhe fazia mal, ela muito zangada disse: - O médico não me proibiu de beber ao “quartel”. 
Falta-me dizer que havia também o comboio da sardinha, Que era por volta das onze e meia. Da sardinha porquê? Porque era à estação de Lemede que a ti Angelina Neta ia todos os dias buscar uma canasta desse precioso peixe, despachado da Figueira da Foz. 
E lá vinha ela com o pregão do costume:
- Sardinha “Fresca.
A minha mãe mandava-me ir perguntar a como era ela. É a cruzado o quarteirão, dizia a ti Angelina.
E e a minha mãe, dizia; então trás um quarteirão e diz que assente que eu agora não tenho dinheiro em modo. 
E esta expressão do “dinheiro em modo”, terá várias interpretações; eu penso que a minha mãe, não tinha era nenhum, tinha sim o receio de exteriorizar a nossa situação económica, como isso fosse vergonha,.
Vergonha era se posteriormente não pagasse, e a minha mãe sempre pagou é certo que, quando podia. Isto aconteceu quando eu tinha os meus seis, sete anos... entre 1943 e 1945. 
Eu estou a falar da minha família, mas esta situação de miséria era generalizada, as pessoas, em especial os vizinhos, socorriam-se uns aos outros.
Nem havia dinheiro para uma caixa de fósforos. Se uma vizinha tinha o lume aceso, nós íamos lá com uma pinha e acendíamo-la, para virmos acender o nosso. A broa que era o alimento de todos os dias, se não tínhamos pedia-se emprestada, e o fermento não era excepção. 
Para os mais jovens, creio valer a pena descrever a situação do fermento. As nossas mães coziam a broa pelo menos uma vez por semana, e o fermento era retirado dessa fornada, logo era uma broa a menos,. Normalmente cozia-se um alqueire de farinha de cada cosedura, o que dava mais ou menos dez broas, mas se a mãe tinha pedido emprestadas, cinco ou seis , poucas lhe restariam da fornada, então cosia toda a massa, na próxima tinha que pedir o fermento emprestado. Havia mais solidariedade que hoje.
Nesse tempo poucos tinham relógio, por isso socorriam-se de várias maneiras, como o cantar galo, que era de madrugada, as badaladas do sino e o apito do comboio, e os que o tinham guardavam-no em casa, para usar aos domingos e dias de festa, com a sua corrente de ouro, ou prata, a cair do bolso do colete. 
E era o luxo dos homens naquele tempo, marcando assim o seu estatuto social!..

Prometo continuar, porque há muita coisa para contar…

2011/11/23.

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