Quem se lembra deste sítio?
Estou
parado e dentro do carro.
Está a chover muito e estou à espera dos meus
familiares que foram fazer compras. Então lembrei-me dos meus tempos de jovem,
tão jovem que aos onze anos de idade, aqui passei pela primeira vez na
companhia do meu irmão mais velho e um sócio seu, que me diz:” Olha é aqui que
tu hás-de vir aguçar o bico”.
Só anos mais tarde soube o que ele queria dizer.
Era ali que existia a casa das “meninas”(bordel) que eram autorizadas pelo
estado e pagavam impostos por essa exploração.
Por estar a chover muito, não
admira...
Estou a escrever em Janeiro e então lembrou-me que no tempo das grandes
cheias do Mondego, neste sítio se “andava” de barco. Estou a falar de 1948,
pelo que pouca gente se lembrará disto. Naquele tempo as cheias inundavam
completamente a parte baixa do Mondego, cortando mesmo o acesso a Coimbra do
lado da Cidreira pelo choupal, a solução era dar a volta pela Adémia. Aqueles
que arriscavam a travessia pelo choupal sujeitavam-se a perder a vida, como
aconteceu a uma família de Cantanhede por volta de 1956.
Nessa altura não pensava eu, que
era nesta cidade que se iriam passar muitos episódios da minha vida, tais como:
com os meus 16/17 anos já vinha de bicicleta, (lembro que sou de Vila Nova de
Outil e que fica daqui a 25 quilómetros) para cá retocar cantarias que vinham
das nossas pedreiras.
O almoço era uma posta de bacalhau, um pão de segunda e
meio litro de vinho, que comprava na tasca mais próximo da obra. A posta de
bacalhau era assada nas brasas duma fogueira feita para o efeito, no local de
trabalho. Esta refeição custava menos de cinco escudos, numa altura em
ganhava-mos trinta por dia.
Foi aqui também que cumpri o serviço militar no
quartel de Santa Clara. Em 1959 adquiri a carta de condução de automóveis
ligeiros e pesados, que me habilitou a exercer a profissão de motorista. Nessa
condição, aqui vim muitas vezes com carradas de cantaria e de retorno levava
areia que carregava no rio Mondego, que quase secava no verão.
A entrada era
numa rampa próximo da Estação Nova, que ainda hoje existe. Anos mais tarde
prestei aqui serviço como agente da Polícia de Segurança Pública que a meu
pedido, abandonei em 1966 para seguir novos horizontes.
Foi nesta cidade que
frequentei o 5º ano do 2º ciclo liceal, no Externato São Tomás de Aquino, creio
que já não existe. Foi aqui também que anos mais tarde, fui com sucesso, operado
às duas ancas. E agora com 77 anos, foi-me
detetado um carcinoma e estou à espera da cirurgia que vai ser efectuada,
também nesta cidade, no Instituto Português de Oncologia, que espero também que
tenha sucesso. Falta saber se este é o último episódio da minha vida nesta
cidade, aguardo com esperança que não seja!
P.S.: Comecei a escrever este
texto no dia 16 de Janeiro, dia em que soube que carregava comigo, um monstro,
que se chama cancro. Curiosamente, na hora em que terminava este escrito,
deram-me a notícia de que a cirurgia vai ser amanhã. Afinal não foi este
amanhã, aconteceu que depois de estar preparado para entrar no bloco, o
cirurgião informou que por um motivo que desconheço, já não me podia operar.
Mandaram-me para casa e que me voltavam a convocar, o que aconteceu logo no dia
seguinte.
Fui operado no dia 12 deste mês de março, a operação correu bem e
agora espero o resultado da análise do tumor que me extraíram, para saber as
terapias a que vou ser sujeito. Espero com alguma esperança o desenrolar de
mais este episódio passado nesta cidade.