terça-feira, 25 de março de 2014

Lembranças da minha infância - “TERREIRO DA ERVA EM COIMBRA”

Quem se lembra deste sítio? 
Estou parado e dentro do carro.
Está a chover muito e estou à espera dos meus familiares que foram fazer compras. Então lembrei-me dos meus tempos de jovem, tão jovem que aos onze anos de idade, aqui passei pela primeira vez na companhia do meu irmão mais velho e um sócio seu, que me diz:” Olha é aqui que tu hás-de vir aguçar o bico”.
Só anos mais tarde soube o que ele queria dizer. Era ali que existia a casa das “meninas”(bordel) que eram autorizadas pelo estado e pagavam impostos por essa exploração. 
Por estar a chover muito, não admira... 
Estou a escrever em Janeiro e então lembrou-me que no tempo das grandes cheias do Mondego, neste sítio se “andava” de barco. Estou a falar de 1948, pelo que pouca gente se lembrará disto. Naquele tempo as cheias inundavam completamente a parte baixa do Mondego, cortando mesmo o acesso a Coimbra do lado da Cidreira pelo choupal, a solução era dar a volta pela Adémia. Aqueles que arriscavam a travessia pelo choupal sujeitavam-se a perder a vida, como aconteceu a uma família de Cantanhede por volta de 1956.
Nessa altura não pensava eu, que era nesta cidade que se iriam passar muitos episódios da minha vida, tais como: com os meus 16/17 anos já vinha de bicicleta, (lembro que sou de Vila Nova de Outil e que fica daqui a 25 quilómetros) para cá retocar cantarias que vinham das nossas pedreiras. 
O almoço era uma posta de bacalhau, um pão de segunda e meio litro de vinho, que comprava na tasca mais próximo da obra. A posta de bacalhau era assada nas brasas duma fogueira feita para o efeito, no local de trabalho. Esta refeição custava menos de cinco escudos, numa altura em ganhava-mos trinta por dia. 
Foi aqui também que cumpri o serviço militar no quartel de Santa Clara. Em 1959 adquiri a carta de condução de automóveis ligeiros e pesados, que me habilitou a exercer a profissão de motorista. Nessa condição, aqui vim muitas vezes com carradas de cantaria e de retorno levava areia que carregava no rio Mondego, que quase secava no verão. 
A entrada era numa rampa próximo da Estação Nova, que ainda hoje existe. Anos mais tarde prestei aqui serviço como agente da Polícia de Segurança Pública que a meu pedido, abandonei em 1966 para seguir novos horizontes. 
Foi nesta cidade que frequentei o 5º ano do 2º ciclo liceal, no Externato São Tomás de Aquino, creio que já não existe. Foi aqui também que anos mais tarde, fui com sucesso, operado às duas ancas. E agora com 77  anos, foi-me detetado um carcinoma e estou à espera da cirurgia que vai ser efectuada, também nesta cidade, no Instituto Português de Oncologia, que espero também que tenha sucesso. Falta saber se este é o último episódio da minha vida nesta cidade, aguardo com esperança que não seja!


P.S.: Comecei a escrever este texto no dia 16 de Janeiro, dia em que soube que carregava comigo, um monstro, que se chama cancro. Curiosamente, na hora em que terminava este escrito, deram-me a notícia de que a cirurgia vai ser amanhã. Afinal não foi este amanhã, aconteceu que depois de estar preparado para entrar no bloco, o cirurgião informou que por um motivo que desconheço, já não me podia operar. Mandaram-me para casa e que me voltavam a convocar, o que aconteceu logo no dia seguinte. 
Fui operado no dia 12 deste mês de março, a operação correu bem e agora espero o resultado da análise do tumor que me extraíram, para saber as terapias a que vou ser sujeito. Espero com alguma esperança o desenrolar de mais este episódio passado nesta cidade.

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