quinta-feira, 7 de julho de 2011

Orgulhosamente marretas!

Os descendentes do ti Delfim Coelho e do ti Artur, (que era seu irmão, são conhecidos pelos “marretas”. 
As pessoas que nos apelidam assim, fazem-no no sentido depreciativo, e nós orgulhamo-nos desse nome, pelo facto do que a seguir vou relatar: 
O meu pai tinha uma pedreira, assim como tantos outros, e todos esses outros se organizaram, no sentido de criarem um documento assinado no notário, para manietarem os empregados, não podendo estes ir pedir trabalho a outra pedreira, sem o consentimento de todos os outros patrões. 
O meu pai achou isso, uma medida tão anti-social, que se negou a assinar esse documento. Quando ele disse não, o comentário foi o seguinte: NÃO ASSINA PORQUE É MARRÊTA!
O meu pai não assinou, porque não era um patrão de gravata. Ele trabalhava mais que os empregados.
Lembra-me de ele, quando chegava à noite a casa, dizer à minha mãe que, quando os empregados chegaram para pegar ao trabalho, já tinha ganho para um.  Morava numa casa, onde nasci e vivo, numa ponta do lugar.
Ele para ir para a pedreira, atravessava todo o lugar, e ainda toda a gente dormia, quando ele passava, e como usava tamancos, fazia algum barulho, e as pessoas que já estavam acordadas, diziam. 
- JÁ AÍ VAI O TI DELFIM!
Como naquele tempo pouca gente tinha relógio, ele era o seu despertador!
Era hábito, irem aos domingos, único dia de  descanso, procurar trabalho muitas vezes longe da nossa terra, que é Vila Nova, que era apelidada da “terra da pedra”. O meu pai não sabia andar de bicicleta mas, quando os outros lá chegavam, já ele lá estava a pé... e orgulhava-se disso.

Escreveu Albertino Pereira Coelho, seu filho mais novo.
Vila Nova, Abril de 2011.  

Nota extra: vejam os comentários deste texto.

4 comentários:

Ana Paula Pereira disse...

Olá,
Parabéns, esta cada vez melhor este blog...
continua , ficamos a espera de mais histórias.
A "orgulhosa marreta"

Ana Paula

Nuno disse...

Boa noite,

muito boas as suas histórias, fico muito satisfeito que as partilhe e que não deixe morrer esse "saber" único, dessa gente que nos "fez". Já li as histórias do meu bisavô Estrela, não terá por acaso conhecido o meu avô Manuel da Silva Cruz? Falecido em Angola em 1961, por nós conhecido como Avô Rato?

Um grande Abraço,
Nuno Silva

Visão Mestre disse...

Olá Nuno, obrigado pelo comentário!

Vou então falar do teu avô Rato, também era conhecido aqui como Manél Vedor.
O porquê desta alcunha não sei. Lembra-me de naquele tempo vir aqui um homem que dizia localizar cursos de água subterrâneos, a quem chamavam vedor. Seria ele que se quis fazer passar também por vedor?
A verdade é que aqui nunca apareceu água, e a que temos vem dos olhos da Fervença e foi só a partir de 1968.
O teu avô também era um homem da pedra e do teatro.
Na pedra, lembra-me de ele trabalhar em sociedade com o Carmindo Cruz, ainda vivo, tinham uma pedreira na ladeira do vale. No teatro, como cantava muito bem, levava à cena canções e monólogos.
Também me lembra bem de ele ter ido trabalhar para a região de Sintra, que era o que faziam muitos canteiros daqui, que para ganhar mais uns tostões, para ali imigravam, a trabalhar a pedra. Quando regressou na véspera de Natal, que era o dia de teatro por excelência, trazia uma canção estudada, logo foi ter com o maestro, que era o senhor Angelino Ferrão de Arazede a perguntar-lhe se ele ainda era o mesmo, pois que já tinha tido com ele muitas outras actuações, e ele respondeu-lhe que:
- Ferrão, ferra e nunca mais desferra.
E foi um sucesso!
Marcou-me uma quadra dessa canção, que dizia respeito a uma “mulher da vida” e era a seguinte:
ELA ERA DA MÁ VIDA EU BEM O SEI, MAS UMA VÊS QUE DA LAMA A TIREI SERÁ PARA A VIDA INTEIRA, HOJE SE O MEU NOME LHE DEI, MINHA ESPOSA LHE CHAMO, É MINHA COMPANHEIRA...
Lembra-me também dum monólogo cómico, que era o ZÉ DAS CEROULAS.
Gostaria de saber onde estão as letras de todas as peças de teatro, cançonetas e monólogos Que eram propriedade do nosso Clube.
É que os actores que por ali passaram e que ainda são vivos, teriam muito gosto em reler essas peças das quais foram intervenientes.
Responda quem souber.
Eu devia ter os meus 12 anos, número que me separava da idade dele. Lembra-me também de passado alguns anos, na expectativa duma vida melhor para os seus, partir para Angola, este acto custou-lhe a vida, em moldes que nem vale a pena recordar.
Homem que apesar de passados tantos anos da sua fatídica morte ainda é recordado com saudade.
Até à volta Nuno!

Já agora volta a ler o texto das pedreiras da gândara , que por lapso, não foi inserida uma parte.

20 de Julho de 2011

Ilidio disse...

Esta história não conhecia e ela encerra uma grande lição de humildade e de coragem, num meio tão pequeno como Vila Nova e numa época caracterizada por tão grandes injustiças sociais e por uma forte repressão política.
Sendo verdadeira, é bom que o sentido depreciativo do termo ceda perante a "teimosia" do seu pai contra uma medida anti-social como aquela que a narrativa descreve.
Gostei especialmente deste artigo, que está muito bem feito e que é uma justa e merecida homenagem a seu pai, que lutou e trabalhou honradamente, como tantos outros vilanovenses.
Parabéns ao autor do texto, pela simplicidade e coragem em partilhar tão agradáveis memórias.
Um grande abraço
Ilídio