segunda-feira, 27 de junho de 2011

Pedreiras de Vila Nova (parte_1)

Este texto foi actualizado em Julho 2011

Estas pedreiras estão situadas a sul do lugar de Vila Nova, freguesia de Outil e concelho de Cantanhede, entre os Fornos da Cal e a Lagoa de Outil.
Hoje só existem os vestígios do local onde laboraram centenas de pessoas de sol a sol e de segunda-feira a sábado, descalços ou de tamancos e até à morte, qual reforma, até era proibido falar nisso, nem havia qualquer protecção social.
Os médicos nesse tempo faziam assistência sob avença anual, não sendo para todas as bolsas, as nossas maleitas naquele tempo eram todas curadas com arnica e papas de linhaça.
Lembro-me do ti António Cotovio da Ribeira dos Moinhos que vinha corcovado e a arrastar as pernas com o peso dos seus muitos anos, todos os dias, para tentar ganhar "algum" para a côdea e para os cigarros de mortalha, o seu único vício, (havendo muitos mais nomes a referir), não gastava fósforos, usava um isqueiro feito por ele, que era um tubo de cana com cinza de tecido lá dentro, um bocado de ferro e uma pederneira, que era uma lasca de pedra dura, que se encontra nas terras, e ao bater com o ferro na pedra na direcção da cinza a incendiava e assim acendia o cigarro. Só despegavam do trabalho à palavra de ordem do patrão, que era a seguinte:
- ESCONDER!... à qual cada um pegava na ferramenta que era propriedade sua, feita artesanalmente pelos irmãos Viriato e Armando (ferreiros) e mais tarde pelo Zé Pirriqui e pelo Silvino de Andorinha, (estes foram ambos “discípulos” do ti Armando) últimos ferreiros neste género de ferramenta para canteiro, e iam mete-la num buraco o mais discretamente possível para evitar que lhe a roubassem e ali ficava até ao nascer do sol do outro dia e ninguém roubava nada,.

Para mim não devia haver ladrões naquele tempo ou não eram protegidos pela justiça como são hoje.

Aqui trabalhavam quase todas as pessoas dos lugares vizinhos, tais como: Zambujal, Fornos da Cal, Gordos, Zambujeiro, Casais de Vera Cruz (aqui quase toda a população), Andorinha, Portela de Tentúgal, Ribeira dos Moinhos e Vila Nova. Os proprietários destas pedreiras eram todos de Vila Nova pelo facto daqueles terrenos serem baldio e terem sido divididos em 1881 em partes iguais, no total de 103 leiras, por todos os casais do dito lugar de Vila Nova. 

A pedra aqui extraída destinava-se à construção de habitações, quer com alvenarias, quer com cantarias, faziam-se também pias para azeite e preparava-se a matéria-prima para a produção de cal (realizada essencialmente na localidade de Fornos,) onde existiam no passado grande número de fornos de cal e ainda hoje funcionam alguns, embora com processos de elaboração diferentes dos de outrora, esta actividade deu o nome ao lugar, Fornos da Cal da freguesia de Cadima.

Métodos da exploração: 
O calcário aqui extraído encontra-se abaixo da superfície da terra pelo que era necessário descobrir a pedra e remover a terra da zona a explorar. Como? 
É aqui que começa todo o processo do arranque até à transformação. 
A terra a remover era transportada em cestas feitas de lascas de castanho, vendidas no mercado tradicional de mercearia e vinhos que existiam aqui à volta, e eram levadas à cabeça por crianças a partir dos sete anos, rapazes e raparigas, contudo, geralmente os rapazes persistiam nesta tarefa apenas até aos 11 ou 12 anos. 
Aqui tínhamos um processo curioso de resolver situações, que se chamava “ESTAFA”.
No caminho para o aterro com a cesta à cabeça, formávamos uma fila indiana e como ninguém gostava de ser o primeiro da fila, então recorríamos ao processo da “estafa” que era correr sempre com a cesta à cabeça e carregada de terra até que um fracassasse, e seria esse que ficava à frente a marcar a cadência, normalmente era o mais vagaroso e era isso que nos interessava. Éramos também nós, os miúdos do desaterro, que iam à agua com um caneco com capacidade de mais ou menos 15 litros, a uma fonte que distava das pedreiras cerca de dois quilómetros, e tínhamos uma maneira habilidosa de descansar ao meio do caminho. 
Como era difícil pegar no caneco a partir do chão e mete-lo à cabeça, e como estava-mos numa zona de pinhal, cortava-mos um ramo de pinheiro deixando uma fracção aproximada de 20 centímetros a partir do tronco e à nossa altura, e aí enfiávamos a asa do dito caneco, saindo debaixo dele. Também éramos nós que íamos à “vila”, o porquê desta expressão, não sei, a palavra de ordem era a seguinte:
- Moço à vila!
E lá íamos nós à taberna mais próxima, que era o Diamantino Calhões nos Fornos da Cal e era mandado “assentar” para pagar no próximo dia 20, dia do pagamento mensal nas pedreiras e da feira em Cantanhede, um feriado para a classe. Quando chegávamos com o garrafão do precioso néctar (vinho), todos gritavam: 
- Não caías meu menino... com medo de partirmos o garrafão. 
Havia o hábito de quem fazia anos, ou por um outro motivo qualquer, pagar um garrafão de vinho que normalmente todo o pessoal da pedreira bebia, mas quando o garrafão era pago por todos, o organizador do “Moço à vila”, perguntava quem é que queria alinhar, havia sempre aqueles que, quando era à borla bebiam, quando era a pagar diziam:
- Ó  pá, não, porque comi figos!
Para justificar que a fruta não faz apetite ao vinho, outros tinham azia e eram sempre os mesmos! E também éramos nós que ao meio dia íamos à lenha para assar a sardinha, que era o almoço de todos os dias com broa de milho, e quando a fogueira já estava em brasas, havia uma palavra de ordem, “assar” e todos ao mesmo tempo espalhavam as sardinhas em cima das brasas, e havia sempre uns engraçadinhos que diziam que as que tivessem um olho virado para cima era deles.
E os mais inocentes perguntavam:
- E as minhas, estão onde? 
(para além das adversidades da época, ainda havia disposição para ironizar) e éramos também nós que íamos com a ferramenta ao ferreiro, com a cesta à cabeça carregada de picões, ponteiros e escopros e ali ficávamos a tocar ao fole até a ferramenta ser aguçada carregando-a de novo de regresso à pedreira, com um peso que nos enfiava a cabeça pelos ombros abaixo. 
Na nossa “Universidade” éramos também praxados. 
No primeiro dia de trabalho mandavam-nos a uma outra pedreira pedir o seixo de aguçar as macetas, e lá ia o “miúdo” fazer o que lhe mandavam. De regresso trazia uma pedra à cabeça tão pesada quanto a sua robustez, com a recomendação de a não deixar cair pois que podia estragar-se. Os mais velhos brincavam com a nossa ingenuidade, como uma pedra de calcário aguçasse alguma ferramenta e muito menos as macetas que não necessitam de aguço, mas era assim o início da nossa escola de vida. 

Nota extra: clicar 2 vezes nas fotos, para aumentar.

1 comentário:

Souto Moniz disse...

Estou a gostar muito destas leituras. Um abraço. Souto Moniz