Eu
nasci em 1937.
Tinha dois anos quando rebentou a 2ª guerra
mundial, que muito nos fez sofrer, não por perda de vidas humanas,
mas sim pela fome que passamos.
SALAZAR avisou o país que o livrava
da guerra, não tendo enviado nenhum soldado para a frente de
batalha, mas não o livrava da fome e foi o que aconteceu. E lá iam
os comboios com direcção á FRANÇA carregados de mantimentos, com
a menção escrita colada nos vagões “SOBRAS DE PORTUGAL”.
Esta
de “sobras” é forte, mas acho que foi a melhor opção. É a
partir desta data que eu vou relatar os usos e costumes do nosso povo
desde que me lembro...e eu lembro-me de coisas passadas de quando eu
tinha menos de três anos.
Recordo-me de ir buscar um banco para a
minha mãe se sentar para me dar mama, pois naquele tempo não havia
suplemento para acompanhar a alimentação das crianças, como hoje e
as desgraçadas das mães é que o pagavam. Recordo-me também de
acordar sem ninguém em casa e chorar até me “fartar”, mas
ninguém me acudia. O meu pai e os meus irmãos mais velhos tinham
ido para a pedreira,. A minha mãe com os outros, para as terras e os
vizinhos também.
Pois antigamente, o trabalho nos meios rurais, como
o nosso, eram iniciados ao nascer do sol e a primeira refeição era
na terra, e era à hora do apito do comboio das nove, na linha do
ramal Pampilhosa Figueira da Foz (hoje, com muita pena nossa...
abandonado).
A segunda era em casa.
Despegavam quando o sino da torre
da igreja tocava as badaladas do meio dia,. Depois de fazerem a cesta
voltavam ao trabalho, cada um levava a merenda para comerem quando o
comboio apitasse, por volta das cinco da tarde, era o chamado
“comboio da merenda”, despegavam quando o sacristão tocasse as
trindades no sino da torre que era mesmo até não se ver. Até aqui,
já contabilizamos três refeições . Falta a quarta, que era a ceia. Penso que por serem quatro refeições por dia, que a minha sogra,
que tem noventa e seis anos, no dia da última festa cá da terra,
quando estávamos a almoçar (que antigamente se dizia por aqui
jantar) quis que lhe dessem um copo de vinho, e quando lhe o
recusaram, dizendo que lhe fazia mal, ela muito zangada disse: - O
médico não me proibiu de beber ao “quartel”.
Falta-me dizer que
havia também o comboio da sardinha, Que era por volta das onze e
meia. Da sardinha porquê? Porque era à estação de Lemede que a ti
Angelina Neta ia todos os dias buscar uma canasta desse precioso
peixe, despachado da Figueira da Foz.
E lá vinha ela com o pregão
do costume:
- Sardinha “Fresca.
A minha mãe mandava-me ir
perguntar a como era ela. É a cruzado o quarteirão, dizia a ti
Angelina.
E e a minha mãe, dizia; então trás um quarteirão e diz
que assente que eu agora não tenho dinheiro em modo.
E esta expressão
do “dinheiro em modo”, terá várias interpretações; eu penso
que a minha mãe, não tinha era nenhum, tinha sim o receio de
exteriorizar a nossa situação económica, como isso fosse vergonha,.
Vergonha era se posteriormente não pagasse, e a minha mãe sempre
pagou é certo que, quando podia. Isto aconteceu quando eu tinha os
meus seis, sete anos... entre 1943 e 1945.
Eu estou a falar da minha
família, mas esta situação de miséria era generalizada, as
pessoas, em especial os vizinhos, socorriam-se uns aos outros.
Nem
havia dinheiro para uma caixa de fósforos. Se uma vizinha tinha o
lume aceso, nós íamos lá com uma pinha e acendíamo-la, para
virmos acender o nosso. A broa que era o alimento de todos os dias,
se não tínhamos pedia-se emprestada, e o fermento não era
excepção.
Para os mais jovens, creio valer a pena descrever a
situação do fermento. As nossas mães coziam a broa pelo menos uma
vez por semana, e o fermento era retirado dessa fornada, logo era uma
broa a menos,. Normalmente cozia-se um alqueire de farinha de cada
cosedura, o que dava mais ou menos dez broas, mas se a mãe tinha
pedido emprestadas, cinco ou seis , poucas lhe restariam da fornada,
então cosia toda a massa, na próxima tinha que pedir o fermento
emprestado. Havia mais solidariedade que hoje.
Nesse tempo poucos tinham
relógio, por isso socorriam-se de várias maneiras, como o cantar
galo, que era de madrugada, as badaladas do sino e o apito do
comboio, e os que o tinham guardavam-no em casa, para usar aos
domingos e dias de festa, com a sua corrente de ouro, ou prata, a
cair do bolso do colete.
E era o luxo dos homens naquele tempo,
marcando assim o seu estatuto social!..
Prometo
continuar, porque há muita coisa para contar…
2011/11/23.